domingo, 14 de fevereiro de 2021

Dos dias de S. Valentim

 Nunca fui muito dada a comemorações standardizadas, marcadas no calendário, só porque se entendeu que assim deveria ser. Não acredito no dia da paz, no dia dos amigos, no dia dos avós, no dia do pai e da mãe, no dia disto e daquilo. Abomino, aliás, todas estas manifestações forçadas de amor e carinho e não o escondo. Não o faço porque acredito e conduzo a minha vida pautada pela crença de que devemos ser bondosos, educados, meigos, responsáveis, respeitadores, tolerantes, carinhosos, altruístas, todos os dias, ou pelo menos esforçarmo-nos por o sermos o maior número de dias que conseguirmos.

Ainda assim, há 25 anos atrás, [era eu um bebé] como qualquer adolescente que se preze, cumpri à risca todas estas manifestações pseudofelizes de amor e uma cabana. Sim, porque a minha capacidade financeira estava assim ao nível de uma cabana de palha, cheia de infiltrações.

Mesmo assim, e movida pelo espírito da época, porque já sabemos, os adolescentes são o público alvo perfeito dos publicitários, dirigi-me a um quiosque que todos frequentavamos e que existia ao pé da Escola Secundária e num misto de alegria e preocupação, porque era o meu primeiro dia dos namorados, não esqueçamos, comprei-lhe uma caneca. Sim, leram bem, uma caneca. Para ele que nem bebia café... Em minha defesa, posso assegurar-vos que a caneca ilustrava perfeitamente a época, vindo munida de um coração gigante apertado por um ursinho. Ainda não descobri se a ursa era eu ou ele. Enfim.

Hoje em dia, procuro celebrar o dia dos namorados da maneira que entendo ser a correta. Não há cá jantares festivos a 14 de fevereiro nem sobremesas carregadas de morangos fora da época. Existem sim, bolos maravilhosos todas as semanas, beijinhos à saída e à chegada a casa, telefonemas a meio do dia só porque sim, zangas, preocupações e a vida a acontecer. Porque para mim, para nós, felizmente, o amor não fica dormente como que numa espécie de hibernação até aquele dia em particular. Para nós, ele deve estar bem acordado, ciente dos bons e dos maus dias, porque em boa verdade, ser amor, ser namorado, é tarefa de todos os dias. 

sábado, 31 de agosto de 2019

De interesse público

Há meia dúzia de anos publiquei alguns trabalhos. Por inocência pura e paixão assolapada, nunca quis saber de um pormenor, insignificante na altura mas enorme hoje em dia. 
No mundo editorial existe uma coisa chamada "propriedade intelectual", que à data me pareceu um ato de vaidade e que, verdade seja dita, desvalorizei à grande mas que agora mais madura e curada, tenho vindo a perceber ser de extrema importância.
Vejamos, esse simples par de palavras, permite ao nome que lhe sucede, a propriedade, tal como o nome indica, de um trabalho, texto, frase, obra, o que for, mesmo que este não tenha saído das suas mãos ou de sua linda cabecinha.
Esse trabalho, que pode ter maior ou menor extensão, maior ou menor importância cientifica ou pedagógica, social ou cultural, não interessa, maior ou menor sucesso, aos olhos cegos da lei, será sempre pertença desse alguém que acompanha a #propriedade intelectual. 

Assim, e porque essa gaja com traços de vaidade e perfume importado assim o permite, acabamos por ver e rever e reconhecer o nosso trabalho vezes sem conta, travestido de belas, coloridas e enganadoras capas, nos escaparates de supermercados e conceituadas livrarias.
Tudo estaria muito bem, não fosse o facto de não ser o nosso nome a configurar essas lindas capas.
Portanto, se não querem ver o vosso trabalho a deambular pelas ruas de mãos dadas com outros e outras, tomem cuidado com a #propriedade intelectual, essa gaja que se veste de vaidade e usa perfume importado e que nos tapa os olhos com juras de amor e palavras bonitas.

Gratidão

Gratidão: sentimento nobre, muito in, difícil de compreender e praticar.

Começa a ser prática comum falar-se em gratidão,  como se gratidão fosse um verbo facilmente conjugável. Pior, como se todas as pessoas o soubessem conjugar. Pois é, nem todos os entes o são, muito menos o conseguem fazer no Presente do indicativo. Será que num Futuro o conseguirão fazer? Palpita-me que alguns nem a um sinónimo do termo chegarão.

Há pessoas que jamais serão capazes de ler o significado deste vocábulo no dicionário e muito menos de o entender e assimilar. Há gente que se apropria dos termos de forma incorreta, desonesta e extremamente danosa e jamais será capaz de parar de o fazer. Quanto mais, de reconhecer o ato ou ação praticada e as consequências da mesma.
Há gente muito obtusa, plural e curvilínea, que se apropria de certos termos, porque são bonitos e até estão na moda, sem jamais entender a verdadeira natureza destes.
Tenho dito.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

História [pouco] encantada

Hoje vou contar-vos uma história que muito pouca gente conhece mas que, precisamente no dia de hoje, me parece importante ser contada.
Guardei-a durante muito tempo por vergonha. Por medo. De juízos e recriminações que outrora eu teria feito também.
De 2010 a 2017 trabalhei muito. Que nem uma louca. Quase exclusivamente pelo prazer de me sentir útil. De agradar a quem nunca mereceu. Trabalhei praticamente de graça, sempre na esperança de que o meu esforço fosse reconhecido. "Vai ser desta. É com mais este esforço que eu me assumo e que reconhecem o meu valor. O valor do meu trabalho." 
A verdade é que, e sendo completamente honesta, esse reconhecimento era-me prestado, sim, mas na sombra. Por trás do pano. Perante as luzes do palco, eu tornava-me invisível. Eu e a minha autoestima. Já para não falar da minha conta bancária. Essa jamais viu reconhecidas as milhares de horas de trabalho que dediquei a projetos e pessoas sem futuro.
A juntar a esta realidade, havia toda a minha outra realidade profissional. Aquela que me apaixonava, se não de igual forma, mais ainda. Aquela realidade que exigia que eu estivesse a 100% todos os dias. 
No rol do encantamento que sentia por toda aquela nova vida, e porque sempre fui demasiado exigente comigo, e porque desde cedo havia adquirido a noção de que nada sabia, matriculei-me no mestrado. Um mestrado feito em regime pós-laboral e com uma carga horária de 750 horas letivas no primeiro ano e 700 mistas (letivas e projeto) no segundo ano.
Claro está que me dediquei de corpo e alma a este novo desafio, até porque me sentia tão feliz, tão entendida, tão compreendida, tão capaz, que dei tudo o que tinha [e o que não tinha]. Desafio este a somar aos anteriores, à minha atividade profissional, a um projeto absurdo a que estupidamente anuí e a centenas de horas de viagens Lisboa-Porto-Lisboa.
Nunca tive empregada, apoio familiar ou financeiro. 
Acordava todos os dias às 04:00 da manhã para conseguir estudar, pesquisar, preparar aulas, trabalhar no dito projeto. Todos os dias, durante anos. Sete, para ser mais precisa. Dois deles de forma muito intensa e exigente.
Fácil concluir este capítulo, não?
Este preâmbulo que facilmente se transformou em vários e longos capítulos levou a um desfecho muito previsível aos olhos de todos menos aos meus.
Comecei a falhar em todas as versões desta história.
Falhei prazos, falhei conteúdos, falhei na esfera profissional e pessoal. À grande.
Vivia para o trabalho e porque este estava a consumir a minha vida e a roubar-me a essência, tornei-me numa pessoa stressada, frustrada, rabugenta, revoltada. 
Adoeci. O meu corpo estava sempre cansado, dorido, avariado. Mas só percebi o tamanho do estrago quando a minha cabeça começou a falhar. Já não aguentava mais o excesso de trabalho e privação de sono que sentia há anos. 
A minha cabeça, minha maior arma e ferramenta desde sempre, estava doente. 
Só quando ela me começou a falhar é que entendi que tinha de parar. E depressa.
Entupida de medicamentos, tive de largar tudo o que fazia e dedicar-me a mim. Agora a 200% se não queria ficar cheché para sempre.
Demorei ainda algum tempo a perceber isto. Esta cena de olhar pra mim e pensar mais em mim. Demorei muito tempo ainda, coisa que também não facilitou o processo de tratamento. Pelo caminho, ainda tive de viver o pior momento da minha ainda curta vida. Perdi a minha alma gémea, o meu amor puro e doce. O ser que me ensinou A Ser. E desse embate, sei, jamais recuperarei.
Valeram-me as pessoas que me gostam. O reduzido núcleo familiar e os muitos amigos que fui plantando e colhendo por aí. Caso contrário, acho que teria afundado e nunca mais regressaria.
Continuo a cuidar da minha cabeça. Valorizo muito mais a minha atividade cerebral e todos os dias agradeço aos meus neurotransmissores não terem desistido de mim. 
Acho que a forma como recebi o diagnóstico foi como se me tivessem dito que tinha cancro. Primeiro rejeitei a realidade, resisti, debati-me contra ela, depois aceitei-a e lutei. Muito. Continuo a lutar muito para voltar a ser quem era. 
Há dias em que me sinto muito cansada. Não tenho vontade de fazer nada, muito menos de pensar. Há dias em que me dá muito trabalho. Outros há em que me esforço e vislumbro por instantes a miúda alegre e sonhadora de antes.
Sei que preciso continuar a aprender a gostar de mim e a cuidar de mim. Muito. Sei que se não me esquecer disto, irei conseguir. E todo este caminho terá feito sentido. Sei.

Todo este relambório para quê? Para dizer que hoje concluí que era importante assumir que todos nós temos as nossas falhas, erros, ódios, frustrações, males. 
Quero acima de tudo dizer que, por mais longo e frio que seja o inverno, a primavera sempre chega. Não podemos é esquecer de cuidar do nosso jardim, mesmo quando chove e venta e a terra parece infértil, morta. 
Jamais desistir.

*Meu amor, minha amiga muito antiga, este texto é por ti e para ti.
Preciso que te lembres que tens de gostar de ti. O mundo não para de girar se tu parares. As tuas flores jamais murcharão se lá não estiveres para as regar porque já as ensinaste a Ser.
Eu, e eles precisamos todos que te lembres de ti e de cuidar de ti. 
Não faz mal ter medo. Podes ter medo. Podes chorar. Podes ceder. Só por um bocadinho. Só por agora, podes ser junco que dobra, mas jamais parte. 
Logo o sol volta a brilhar, logo o rio se enche e toda tu voltas a ser azul, e vento, e calor e pé descalço no chão. Logo, logo.
Jamais desistir.




sábado, 20 de abril de 2019

Hoje a casa cheira...

Hoje a casa cheira a lavado. As janelas estão limpas, o chão lustrado, as mantas sacudidas e o ar renovado.
Do forno saiu um folar, entrançado, sem ovos. Agora cozem-se bolachas.
A porta está aberta. De propósito.
Por todo o lado cheira a erva doce, a gengibre, a canela e a laranja.
A Páscoa está para mim como o Natal para as crianças. É momento de festa, de cor, de alegria. É tempo de renovação, que promovo, de nascimento, de magia.
É tempo de férias e descanso. Tão apreciado. Nossa!
É tempo de amêndoas e compasso. É tempo de engalanar a casa para os receber. Para O receber. Tempo de cozinha, muita. Tempo de reencontros e de novidades.
É, acima de tudo, a antecipação do que aí vem. É a porta que se abre. O cheirinho a verão, a calor e dias grandes e felizes. Dias de paz e descanso.
Hoje, é tempo de cozinha. De erva doce, gengibre, laranja e canela.
Hoje é mais um dia bom, dia bonito. Dia feliz!



quarta-feira, 6 de março de 2019

Reformulações

Têm-me perguntado várias vezes porque não tenho escrito no blogue. Respondo "Porque não me apetece." A verdade é mesmo esta. Não me apetece. Tenho andado ocupada. Assumi um compromisso muito sério comigo mesma. Gostar mais de mim. Tratar melhor de mim. E é isso mesmo que tenho feito.
Este sítio foi, durante muito tempo, durante demasiado tempo, o meu muro das lamentações. O lugar onde descarregava a raiva, a frustração e a revolta que me enchiam a cabeça e o peito. Aqui eu escrevia as palavras mais feias, os sentimentos mais escuros e a maldade que estava a deixar ocuparem o meu coração. Durante muito tempo deixei que esses sentimentos ocupassem os meus dias e a minha conduta. Mas finalmente consegui deixar essa fase mais dura e feia para trás. Finalmente consegui impôr-me um "Basta!", dizer a mim mesma "Já chega. Ultrapassa isso! Segue com a tua vida!" E foi precisamente isso que eu consegui fazer. Seguir com a minha vida. Aleluia. Graças a Deus. Consegui, FINALMENTE voltar a ser eu mesma.
Purguei toda uma multiplicidade de raivas e revoltas que sentia, Graças a Deus. Sinto-me tão mais leve, tão mais feliz, tão mais honesta.
Finalmente aprendi a reconhecer o amor. Sim, o verdadeiro amor. Aquele que não exige, não cobra, não penaliza. O amor que aceita. Que vê a falha, o erro, o defeito e os aceita. E por isso mesmo sou tão mais feliz. Repito-me porque na verdade não encontro palavras mais bonitas para descrever o que sinto e como estou.
O segredo? Parecerá um dicionário de clichés, mas são a mais pura verdade: Aprender a dizer não.
Aprender a olhar-me, ver-me e aceitar-me.
Aprender a aceitar o elogio.
Aprender a reconhecer o valor próprio, o mérito.
Aprender a desvalorizar.
Aprender a relativizar.
Aprender a fazer e a aceitar fazer só o que me apetece.
Aprender que ninguém morre se não fizer.
Aprender que o desconhecido também é bom.
Aceitar o novo, o desconhecido.
Aprender a deixar de fugir.
Aprender que ninguém me bate se disser o que penso.
Aprender que ninguém deixa de gostar de mim se eu disser NÃO. Se deixarem de gostar, se se afastarem, não são boa gente.
Aprender a largar.
Aprender a deixar de correr atrás.
Aprender a não ter vergonha de dizer SIM.
Aprender a dar o primeiro passo. ;)

Volto a dizer, um verdadeiro dicionário de clichés, mas a mais pura verdade. Tudo aquilo que me faltava. Toda uma vida mal vivida, só porque eu não tinha coragem.
Falta-me ainda muito, mas ao mesmo tempo já não me falta nada.

Estou a aprender a viver de verdade. Estou a aprender a ser mais feliz. Ando a espalhar e a receber pequenas partículas de deslumbramento. Daí a minha ausência.
Não sei quando cá voltarei. Não quero que este sítio volte a ser um muro de lamentações, cheio de grafitis feios e escorridos. Quero que esta tela volte a espelhar o brilho e a criatividade de tempos idos. Quero muito.
Até lá, comam muito, bebam bem (se assim vos aprouver), pratiquem exercício, abracem, riam, apanhem sol, molhem-se na chuva (é brutal!) e sejam felizes!





sábado, 14 de abril de 2018

Espaço Cozinha

Cozinha n.f. [plural e plurissignificante]: 
espaço de criação; lugar onde a magia acontece; tachos e panelas dançam numa sinfonia bem afinada e compõem belas partituras;
lugar quente da lareira a crepitar e das histórias no sofá;
lugar embrionário; território oficial do segredo; lugar dos abraços no chão e do colo de mãe.

Algumas das mais belas e vívidas memórias da minha ainda parca existência estão aqui. Neste, que sempre foi o lugar com cheiro a pão e pano lavado.
Lugar de contação de histórias, de educação, de empatia, de descoberta. Lugar de elucidação e valorização.
Espaço de aprendizagem maior acerca dos meandros, enleios e vicissitudes da socialização humana.
Aqui, todas as dinâmicas se teciam, ampliavam ou destruíam.
É aqui, no seio de um território ainda profundamente feminino, que o poder se dá. Que a vida se faz, se refaz. É aqui que se curam todos os males, os maiores e os menores. É aqui que se nasce e se morre várias vezes sem cessar. É aqui que o ser se faz humano, cresce e se eleva a um patamar maior que o egocentrismo que o acompanha. Aqui, por entre azulejos de diferentes cores e pavimento coçado pelo tempo, que a obra se completa. Os olhos abrilhantam-se a abrem-se para a vida que os rodeia. Os braços estendem-se e cumprem a sua função maior - abraçar. As mãos ganham vida e, num bailado impercetivelmente sincronizado, criam a alquimia que une, liga, enamora os seres.
Aqui, nas minhas memórias da cozinha.